Confira artigos publicados nos jornais de circulação nacional e de Pernambuco.

Luiz Gonzaga e a alma brasileira

O Brasil celebra este mês os dez anos da morte do cantor e compositor Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Lua, como também era conhecido, foi essencialmente um telúrico. Ele soube, como ninguém, cantar o Nordeste e seus problemas. Pernambucano, nordestino ou simplesmente brasileiro, Luiz Gonzaga encantou o Brasil ...

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Democracia e desigualdade social

A predominância da democracia em todos os campos da vida moderna é incontestável: a maioria dos 189 países-membros da ONU vive sob regimes democráticos e há avanços na proteção dos direitos humanos, nas garantias dos direitos das minorias e da condição feminina e compromissos com a preservação ambiental ...

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Lições da democracia

Dois dias antes dos atentados terroristas nos Estados Unidos, a Folha divulgava, em seu suplemento "Mais!", um artigo do historiador Eric Hobsbawm. De forma inteligente e não menos provocativa, como na maioria de seus textos, Hobsbawm estabelecia uma série de premissas a partir das quais chegou à conclusão ...

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Direitos humanos e combate à tortura

Há 15 anos entrou em vigor a Convenção contra a Tortura e Outras Formas Cruéis, Desumanas ou Degradantes de Tratamento ou Punição, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984. Como se sabe, a tortura é um crime hediondo, que afronta a consciência da humanidade e os valores dos ...

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Pacto federativo

Com a tramitação das reformas constitucionais no Congresso, estamos prestes a inscrever em nossa Carta Magna disposições como limite salarial de integrantes dos Poderes e dos serviços públicos estaduais, assunto que dificilmente se discutirá no Legislativo de qualquer outra federação, monárquica ou ...

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Nosso eterno amigo, o livro

O semiólogo italiano Umberto Eco afirmou certa feita que o livro, "depois de ser inventado, vai-nos acompanhar por muito tempo". Penso, entretanto, que essa companhia será para sempre, pois, assim como a televisão não fez desaparecer o rádio, nem o cinema impediu que o teatro continuasse a ser arte ...

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Veto e insegurança jurídica

No conjunto de reformas institucionais que o país reclama, deve-se inserir, além das mudanças em nosso modelo político (leia-se sistema partidário e eleitoral), o revigoramento da Federação, hoje fragilizada pela enorme concentração de poderes no governo federal. Não menos deve ser o empenho em cogitar ...

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Instituições duradouras

A reforma eleitoral é tema que raramente deixou de figurar na agenda política do país. Não me refiro só à agenda atual, mas também às dos séculos 20 e 19. A diferença reside na circunstância de que a expressão reforma política, hoje tão cediça, no século 19, com mais propriedade, se designava reforma ...

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Para avançar mais nas telecomunicações

O mundo vive uma nova onda globalizadora, cujo núcleo reside na revolução da ciência e da tecnologia, de que a internet -que, certa feita, Millôr Fernandes chamou de "infernet"- é bem uma prova. A sensação que temos é que o mundo, de fato, se integrou. Até ficou menor! ...

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Proer blindou o sistema bancário brasileiro

A atual crise mundial dos mercados financeiros e de capitais, cujos enfrentamentos estão sendo adotados pelo governo dos Estados Unidos, confirma o quanto estava certo o presidente Fernando Henrique Cardoso ao criar o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), implementado no Brasil de 1995 a 2000. ...

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Vinte anos da Constituição de 1988

A Constituição de 1988, cujos 20 anos de promulgação estamos fazendo memória, nasceu -fato pouco percebido pela sociedade brasileira- de amplo acordo político, o intitulado "compromisso com a nação". Esse pacto, talvez o mais importante de nossa história republicana, ensejou a eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney, por intermédio do Colégio Eleitoral, e tornou possível, de forma pacífica, a passagem do regime autoritário para o Estado democrático de Direito...

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Aprimorar a democracia

Apesar do mundo conturbado em que vivemos neste início do terceiro milênio, democracia continua sendo uma aspiração universal. Embora o conceito seja antigo, sua realidade é algo para muitas gerações. Os que dela já desfrutam lutam por aperfeiçoá-la. Os que ainda não a conquistaram lutam por alcançá-la...

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A democracia que queremos

Apesar do mundo conturbado em que vivemos neste início do terceiro milênio, a democracia continua sendo uma aspiração universal. Embora o conceito seja antigo, sua realidade é algo para muitas gerações. Os que dela já desfrutam lutam por aperfeiçoá-la. Os que ainda não a conquistaram lutam por alcançá-la...

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Os males da democracia

Apesar do mundo conturbado em que vivemos neste início do Terceiro Milênio, democracia continua sendo uma aspiração universal. Embora o conceito seja antigo, sua realidade é algo para muitas gerações. Os que dela já desfrutam lutam por aperfeiçoá-la. Os que ainda não a conquistaram lutam por alcançá-la...

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Democracia: passado, presente e futuro

A democracia e as formas republicanas de governo tendem a se expandir em todo o mundo, principalmente depois do fim da chamada Guerra Fria e, mais recentemente, diante dos influxos e afluxos da onda globalizadora que permeia nossos tempos. Em “O Futuro da Democracia”, Norberto Bobbio, cujo centenário de nascimento é celebrado neste ano, observou que “democracia é definida como um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas ...

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Repensar as medidas provisórias

"Tão importante como legislar é uma fiscalização vigilante da Administração, e ainda mais significativa do que a lei é a instrução e orientação em assuntos políticos que o povo pode receber de um Congresso disposto a discutir às claras os problemas nacionais." Malgrado a enorme atualidade dessas palavras, que foram proferidas em 1884 por Woodrow Wilson, observa-se, em nosso país, que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar ...

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Razões para uma reflexão crítica

No Brasil, geralmente as celebrações das datas inaugurais de grande conteúdo simbólico não são previamente preparadas. Conhecemos alguns precedentes. Sem uma reflexão crítica sobre o que representava, por exemplo, a passagem da primeira centúria republicana para o País e para o seu povo, as celebrações ocorreram de forma improvisada - diria até que de afogadilho. ...

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República e democracia

O ideal republicano entre nós sempre foi indissociável da democracia. Nabuco de Araújo, que tanto e tantas vezes serviu à Monarquia, 20 anos antes da Proclamação da República, denunciava da tribuna parlamentar: “Vede este sorites fatal, este sorites que acaba com a existência do sistema representativo: o poder moderador pode chamar quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição; porque há de fazê-la; esta eleição faz a maioria. Eis aí está o sistema representativo do nosso país”....

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Dedicação a Pernambuco

Fiz de minha vida uma missão: pôr-me sempre a serviço de Pernambuco e do povo pernambucano. Por mais universal que seja a vocação de cada um, como foi a de Joaquim Nabuco, é na terra em que nascemos que buscamos força, inspiração e alento. Devo a Pernambuco e ao povo pernambucano não apenas o que sou, mas tudo quanto, ao longo de minha existência, conquistei no exercício de sucessivos mandatos que sempre me foram concedidos. A esta generosidade não poderia responder senão com empenho e trabalho....

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Joaquim Nabuco e Balmaceda

Ao encerrarmos as celebrações do Ano Nacional Joaquim Nabuco, podemos dizer com toda a convicção que Nabuco continua com uma agenda extremamente atual. Embora seja uma de suas obras menos celebradas, Balmaceda, muito mais que um simples ensaio ou uma arguta análise política, é uma síntese extraordinária das preocupações do autor – quase uma antevisão sobre o destino e os riscos que poderia correr o Brasil sob a República, então recém-proclamada....

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A grande dama do Sertão

Há 100 anos, no dia 17 de novembro de 1910, no antigo nº 86 da Rua Senador Pompeu, em Fortaleza, nascia Rachel de Queiroz. Descendia, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar, parente, portanto, do ilustre autor de O Guarani, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas no Quixadá e Beberibe. Essa ancestralidade e o decisivo apoio de seus pais indiscutivelmente seriam, sem dúvida, os responsáveis pelo desabrochar...

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Quinze anos da Lei de Arbitragem

Um dos objetivos do processo de modernização é a diminuição da tutela do Estado e o consequente aumento dos poderes da cidadania. Importante em termos de mudança social, embora pouco percebida pela própria sociedade, essa transformação é essencial, pois trata de criar mecanismos de proteção e garantias individuais que se conformem, não só sob o ponto de vista jurídico mas também sob aspectos econômicos e sociais, com o pleno exercício dos direitos humanos...

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Guerra da luz divina

Toda nação deve cultuar seus líderes e os fatos marcantes de sua história, sem o que não cria entre os nacionais o sentimento patriótico. O Livro dos heróis da pátria, de acordo com a Lei 11.597/07, destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e construção, com dedicação e heroísmo. A distinção só pode ser concedida no mínimo 50 anos depois da morte do homenageado....

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Luiz Gonzaga e a alma brasileira

Correio Braziliense - 30/08/1999

O Brasil celebra este mês os dez anos da morte do cantor e compositor Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Lua, como também era conhecido, foi essencialmente um telúrico. Ele soube, como ninguém, cantar o Nordeste e seus problemas. Pernambucano, nordestino ou simplesmente brasileiro, Luiz Gonzaga encantou o Brasil com sua música, tornando-se um daqueles que melhor souberam interpretar sua alma.

Nascido em Exu, no Alto Sertão de Pernambuco, na Chapada do Araripe, ele ganhou o Brasil e o mundo, mas nunca esqueceu de sua origem. Sua música, precursora da Música Popular Brasileira, embora não possa ser classificada como “de protesto”, ou engajada, é, contudo, politicamente comprometida com a busca de solução para a questão regional nordestina, com o desafio de um desenvolvimento nacional mais homogêneo, mais orgânico e menos injusto, portanto.

Telúrico sem ser provinciano, Gonzaga sabia manter-se preso às circunstâncias regionais sem perder de vista o universal. Sua sensibilidade para com os problemas sociais, sobretudo nas músicas em parceria com Zé Dantas era evidente: prenhe de inconformismo, denúncia do abandono que ainda hoje está sujeita pelo menos um terço da população brasileira, mormente aquela que vive no chamado semi-árido.

Não estaria exagerando se dissesse que Gonzaga, embora não tivesse exercido atividade política ou partidária, foi um político na acepção ampla do termo. Política, bem o sabemos, é a realização de objetivos coletivos e não se efetua apenas através do exercício de cargos públicos, que ele nunca teve. Política é sobretudo ação a serviço da comunidade. Como afirma Alceu Amoroso Lima, é saber, virtude e arte do bem comum.

Além de nunca ter omitido suas opiniões, Gonzaga também nunca se esquivou de participar ativamente quando necessário. Em um momento particularmente difícil vivido por sua terra, Exu, e tendo em vista as muitas mortes decorrentes da rivalidade das famílias Alencar e Sampaio, ele ergueu corajosamente sua voz. Na ocasião, era Governador de Pernambuco e pude receber dele ajuda fundamental na tarefa que, com êxito, empreendi no sentido de pacificar a cidade e restabelecer a concórdia naquela importante região do sertão.

Deixei o Governo com Exu em paz. Nenhum crime de natureza política voltou a ocorrer e, mediante melhoramentos que me eram sugeridos pela comunidade por intermédio de Gonzaga, foi possível reintegrar a cidade ao convívio social, do qual nunca mais se apartaria.

Outro aspecto político da presença de Luiz Gonzaga foi no resgate da música popular brasileira. O vigor de suas toadas, cantorias, tonificou a nossa música, retirando-a do empobrecimento cultural em que se encontrava. Sua música teve um viés nacionalista, ou melhor, brasileiríssimo, que impediu lavrasse um processo de perda de nossa identidade cultural. Não foi uma música apenas nordestina, mas genuinamente nacional, porque de defesa de nossas tradições e evocação de nossos valores.

Luiz Gonzaga interpretou o sofrimento e também as poucas alegrias de sua gente em quase duzentas canções, em ritmos até então desconhecidos, como o baião, o forró, o xaxado, as marchinhas juninas e tantos outros. Mas foi por meio de “Asa Branca” que Lua elevou à condição de epopéia a questão nordestina. Certa feita, Gilberto Freyre afirmou que o frevo “Vassourinhas” era nossa Marselhesa. Poderíamos dizer, parafraseando Gilberto Freyre, que “Asa Branca” é o hino do Nordeste; o Nordeste na sua visão mais significativamente dramática, o Nordeste na aguda crise da seca.

Gilberto Amado disse a propósito do falecimento de sua mãe: “Apagou-se aquela luz no meio de todos nós”. Para o Nordeste, e tenho certeza para todo o País, a morte de Luiz Gonzaga foi o apagar de um grande clarão. Mas com seu desaparecimento não cessou de florescer a mensagem que deixou, por intermédio da poesia, da música e da divulgação da cultura do Nordeste.

Por força de sua obra ele está vivo e vive no sertão, nos pampas, na cidade grande, na boca do povo, no gemer da sanfona, no coração e na alma da gente brasileira, pois, como disse Fernando Pessoa, “quem, morrendo, deixa escrito um belo verso, deixou mais ricos os céus e a terra, e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente.”


Democracia e desigualdade social

08/08/2000 - Folha de S. Paulo

A predominância da democracia em todos os campos da vida moderna é incontestável: a maioria dos 189 países-membros da ONU vive sob regimes democráticos e há avanços na proteção dos direitos humanos, nas garantias dos direitos das minorias e da condição feminina e compromissos com a preservação ambiental.

Além disso, o aprofundamento da democracia se dá não só no espaço público da política, mas igualmente na área privada típica de economia, onde se verificam mudanças de atitude no que diz respeito à responsabilidade social das empresas para com o desenvolvimento sustentável e a adoção de mecanismos de proteção aos direitos do consumidor, por exemplo.

A democracia, contudo, não se esgota nas conquistas nos planos político e econômico, ambos de muita visibilidade. O maior desafio com que se defrontam as democracias, amadurecidas ou emergentes, é o déficit social. A falta de mecanismos que proporcionem igualdade de oportunidades para todos e a erradicação da pobreza são requisitos sem os quais continuaremos a ter instituições democráticas, mas dificilmente verdadeiras democracias. Tal constatação levou o presidente Fernando Henrique Cardoso a afirmar ser o Brasil um país ainda injusto.

Em 1995, ao completarmos o terceiro ano de comemorações do Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza, um relatório do Banco Mundial registrou que a concentração da riqueza nos últimos cem anos tornara o mundo mais injusto do que no século anterior. Já em 1996, o Pnud revelou que, nos dez anos anteriores, piorara a condição de vida de mais de 1 bilhão de habitantes do planeta. Num quadro com essas características, a questão da governança ou da governabilidade é um desafio para qualquer regime político. Desafio maior ainda para as democracias.

Se é verdade que a democracia avançou no mundo, sobretudo na última metade do século, e constitui aspiração maior da humanidade, também cabe ressaltar que a questão da legitimidade, da confiabilidade e da credibilidade dos governos e das instituições políticas torna-se, hoje, tema central da agenda política de todas as sociedades democráticas, deixando cada vez mais conflitante a democracia representativa.

Essa tendência parece decorrer da incapacidade das chamadas democracias de massa -as democracias contemporâneas- em realizar para todos o ideal de liberdade com igualdade. As necessidades de democracia se multiplicaram em escala geométrica enquanto as disponibilidades cresceram apenas em escala aritmética, observa, a propósito, Noberto Bobbio.

Como, então, compatibilizar essas disparidades com situações políticas das quais o fundamento ético é exatamente a igualdade, valor tão transcendente para a democracia como a estabilidade? A democracia, como se sabe, filosófica e eticamente, busca a conciliação entre liberdade e igualdade. O governo republicano também justifica essa aspiração, por entender que todos devem ter iguais oportunidades e que não deve haver distinção entre qualquer parte dos cidadãos e o todo da sociedade. Por isso a política precisa voltar a ser definida como o "campo dos interesses coletivos".

Regimes que não atendem a princípios coletivos podem ser regidos por instituições democráticas, mas não democracias, pois privilegiam os que mais pressionam por possuírem maior capacidade de se exprimir, e não necessariamente os que mais necessitam.

A era em que vivemos, a chamada "sociedade de informação", conquanto cause fascínio e produza vantagens para a humanidade, não é capaz, por si só, de mudar a realidade contemporânea e torná-la melhor, mais justa. Todavia há que se notar que esses tempos abrem enormes perspectivas de mudanças por ensejarem a prática de formas de democracia direta.

Valioso instrumento para reforçar os regimes abertos, a democracia direta permite inclusive o aumento do poder local que tanto impressionou Tocqueville nos Estados Unidos da América. Portanto, é nessa direção que devemos caminhar a fim de resgatar o débito democrático com que ainda nos deparamos no limiar do novo milênio, aprimorando a governabilidade e construindo sociedades verdadeiramente democráticas.


Lições da democracia

22/09/2001 - Folha de S. Paulo

Dois dias antes dos atentados terroristas nos Estados Unidos, a Folha divulgava, em seu suplemento "Mais!", um artigo do historiador Eric Hobsbawm.

De forma inteligente e não menos provocativa, como na maioria de seus textos, Hobsbawm estabelecia uma série de premissas a partir das quais chegou à conclusão de que os instrumentos clássicos da democracia liberal já não são adequados nem capazes de lidar com os problemas deste século : "Esses mecanismos estão confinados dentro das fronteiras de Estados-nação, cujo número está crescendo, e enfrentam um mundo global que está além de seu âmbito de atuação. Não está claro nem sequer até que ponto poderão ser aplicados no interior de um território extenso e heterogêneo que possui, sim, um quadro político comum, como é o caso da União Européia."

Para justificar sua desesperança, ele ainda afirmou que os Estados Unidos "enfrentam e competem com uma economia mundial que opera por meio de unidades totalmente diferentes e às quais as considerações de legitimidade política e interesse comum não se aplicam: as empresas transnacionais. E, sobretudo, enfrentam uma era em que o impacto da ação humana sobre a natureza e o globo já se transformou em força de proporções geológicas. Sua solução, ou mitigação, vai exigir medidas para as quais, com quase certeza, não será encontrado apoio com a contagem de votos ou medição das preferências dos consumidores. Isso não é uma notícia encorajadora para as perspectivas de longo prazo da democracia do planeta".

Estendi-me nas transcrições porque me parecem indispensáveis para compreendermos as razões e os fundamentos de seu pessimismo. Não participo das crenças na inevitabilidade das previsões de um dos grandes historiadores contemporâneos. O exemplo da União Européia invocado por ele serve ao meu otimismo. É bom lembrar que foi a democracia liberal que permitiu o surgimento da integração da Europa. Enquanto prevaleceu a "Era dos Extremos", título sugestivo de um dos volumes da obra histórica do professor Hobsbawm, a Europa não foi capaz de se entender.

O que começou como uma comunidade de interesses econômicos setoriais -a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, na década de 50- terminou se transformando em algo impensável há alguns anos atrás: uma comunhão de nações com interesses comuns em todos os campos.

A renúncia de parte da antiga soberania não significou retrocesso político em nenhum dos países que hoje a integram. Ao contrário, representou progresso não só político, mas também financeiro, econômico, cultural e até, como veremos em pouco mais de três meses, monetário, com a moeda única e o desaparecimento de um dos símbolos do Estado e nação. Não hesitaria em dizer, portanto, que hoje há mais democracia na Europa comunitária do que em qualquer outra parte do mundo.Os atentados que enlutaram a humanidade no dia 11 poderiam arrefecer nossa crença e esperança num século menos conturbado, menos violento e mais seguro. A meu ver, porém, eles apontam exatamente em sentido contrário ao que nos indica o britânico Hobsbawm. Em primeiro lugar, convém lembrar que as ameaças ao interesse comum não partem de nenhum país em que impera a velha e testada democracia liberal. Além disso, deter, reprimir e punir as condutas anti-sociais de toda e qualquer empresa, por mais poderosa que seja, pode ser mais fácil do que prevenir as condutas dos delinquentes sem causa e sem rosto.

Em segundo lugar, não podemos esquecer que o mundo civilizado se antecipou à necessidade de uma ação concertada em áreas como a repressão e a punição aos crimes transnacionais, com o tratado de criação do Tribunal Penal Internacional. Assim, é lícito esperar que os efeitos desumanos e devastadores dos atentados que estarreceram o mundo acelerem a cooperação internacional nessa área, por causa da reação universal que esses atos provocaram, acelerando a ratificação do instrumento que permita sua próxima instalação. Nas circunstâncias atuais, um avanço dessa natureza seria extremamente útil para evitar a generalização de conflitos.

Ações afirmativas em todas as áreas apontadas por Hobsbawm, a começar pela questão ambiental, são frutos da internacionalização das pautas políticas, como a tutela dos direitos humanos, a proteção das minorias, a questão urbana, a discriminação racial, a condição feminina e a erradicação da pobreza, para citar as mais evidentes a partir de iniciativas da ONU. Quanto mais convergência houver em assuntos dessa natureza, maiores serão o progresso humano e a cooperação internacional.Os problemas com que defrontamos, da influência e do poder das empresas transnacionais em face da globalização, não têm sido encarados com a ótica realista de uma pauta que, antes de ser econômica, é, sobretudo, política.

Quanto mais amplos e poderosos os mercados, mais poder regulatório eles terão para conter os excessos, domar as condutas indesejáveis, reprimir as práticas abusivas e punir os infratores. Qualquer dos pequenos mercados que integram a União Européia é, sem dúvida, importante ante um grande cartel. Mas qualquer grande cartel se tornará impotente se ousar desafiar os grandes blocos econômicos que estão se formando, inclusive o Mercosul.

A produção globalizada implica um mercado igualmente globalizado em suas preferências, suas práticas e seus costumes, que exigirá cada vez mais qualidade, menores preços e melhores produtos. A generalização do "recall", inclusive no Brasil, mostra que os Estados democráticos, baseados nos princípios universais da legitimidade e da ética, detêm os instrumentos necessários, embora ainda não suficientes, para impor a preferência não só dos seus consumidores, mas sobretudo de seus cidadãos.

O panorama mundial neste século não é só o da competição, mas também o da cooperação. E isso está cabalmente demonstrado no que me parece a mudança do paradigma político no cenário internacional. O poder tomado apenas como capacidade de dissuasão, de contenção e de repressão será cada vez mais inviável num mundo cada vez mais diversificado. O que justifica essa suposição é a própria constatação do autor, quando alude ao crescimento do número de Estados-nação, que virtualmente quadruplicou nos últimos 50 anos.

Parece-me fora de dúvida que a vulnerabilidade a que estamos todos sujeitos não está calcada só nos interesses econômicos das empresas, nas convicções ideológicas dos diferentes grupos sociais ou no poder militar das grandes potências. Vem, isto sim, de atitudes, ameaças e ações que possam fragilizar a democracia.O que a democracia nos tem ensinado, inclusive com os supostos fracassos que possa ter experimentado na América Latina, segundo constata o professor Hobsbawm, é a sua capacidade de resistir às tentativas de destruí-la -cujas origens são, quase sempre, mais internas do que externas. Nisso reside a sua vitalidade e essa é a base de sua legitimidade. As reações e as respostas que temos encontrado para o desafio da consolidação da democracia no continente têm culminado com soluções democráticas. Essa, a meu ver, a melhor das lições da democracia. E aí residem as fundadas razões de minha esperança.


Direitos humanos e combate à tortura

02/06/2002 - Folha de S. Paulo

Há 15 anos entrou em vigor a Convenção contra a Tortura e Outras Formas Cruéis, Desumanas ou Degradantes de Tratamento ou Punição, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984.

Como se sabe, a tortura é um crime hediondo, que afronta a consciência da humanidade e os valores dos direitos humanos, da democracia e do Estado de Direito. Ao infligir graves sofrimentos físicos e psicológicos às vítimas, a tortura viola a integridade do espírito humano, o reduto interior da consciência e da personalidade, negando a suas vítimas a individualidade e a dignidade inerentes à condição de ser humano.

O combate à tortura constitui um dos principais objetivos dos movimentos pelos direitos humanos. As declarações e os tratados internacionais atribuem caráter especial à proibição da tortura, a qual não pode ser derrogada em nenhuma circunstância. A tortura é também categorizada como crime contra a humanidade, punível em âmbito internacional e sujeito à cláusula da jurisdição universal.

O Brasil compartilha do repúdio à tortura e aderiu aos principais instrumentos internacionais que visam combater tal prática. Ao assinar a Convenção da ONU de 1984, o então presidente José Sarney sublinhou a importância política dessa adesão para um Brasil recém-redemocratizado.

No plano interno, no entanto, a tipificação do crime de tortura só seria alcançada em 1997, com a aprovação da lei 9.455/97. Não obstante, passados vários anos da ratificação da convenção e da tipificação do crime, a tortura continua a ocorrer de forma sistemática e recorrente no país, em estabelecimentos policiais, prisionais e de atendimento a adolescentes em conflito com a lei.

Essa constatação não é só do governo federal, mas também do Comitê contra a Tortura da ONU, que avaliou nosso relatório no ano passado, e do ex-relator especial sobre a tortura, que visitou o Brasil no ano 2000 e formulou uma série de recomendações para a superação desses problemas.

Com base nessas sugestões, o governo federal preparou uma inédita campanha nacional contra a tortura, veiculada por spots publicitários na televisão, no rádio e nos jornais. Como presidente em exercício, lancei-a no dia 30 de outubro de 2001. Na ocasião foi, também, inaugurada a central nacional de SOS Tortura, que oferece um canal eficiente para o registro e o acompanhamento de denúncias de tortura em todo o país.

Para que a campanha contra a tortura tenha êxito, faz-se necessária a adesão de todas as unidades da Federação, de suas instituições no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. Os órgãos e instituições do Estado devem, em seu conjunto, esmerar-se ao máximo para que a Lei da Tortura seja aplicada em todo o território nacional.

Como bem destacou o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Nilson Naves, durante recente solenidade de adesão do Brasil ao Dia Mundial de Combate à Tortura, "o sofrimento humano não é espetáculo; justiça não é vingança; policial não é carrasco". E, portanto, enfatiza o ministro que, "ao agirem fora da lei, sobre os criminosos recaia o castigo por seus crimes, após o devido processo legal".

Os esforços em andamento sinalizam a construção de um consenso na sociedade brasileira sobre a gravidade da prática da tortura no país e a necessidade de ações conjuntas para a superação desse quadro no mais curto prazo. É por meio delas e com o êxito dessa campanha que realizaremos o "sonho intenso" de que fala o hino nacional, de construir uma nação não só democrática e desenvolvida, mas igualmente pacífica e, sobretudo, justa.


Pacto federativo

14/09/2003 - Folha de S. Paulo

Com a tramitação das reformas constitucionais no Congresso, estamos prestes a inscrever em nossa Carta Magna disposições como limite salarial de integrantes dos Poderes e dos serviços públicos estaduais, assunto que dificilmente se discutirá no Legislativo de qualquer outra federação, monárquica ou republicana, presidencialista ou parlamentarista, e que pouco provavelmente se encontrará em outra Constituição. A indagação cabível, a meu ver, é como e por que chegamos a tanto.

O cerne desse desafio, que julgo não respondido, pode ser resumido num simples raciocínio: o sistema federativo, por oposição à forma unitária do Estado, nada mais é do que alternativa para distribuir espacialmente o poder.

A origem e o fundamento da divisão espacial do poder, representados pela federação, devem ser procurados entre aqueles que criaram o primeiro regime federativo no mundo. O modelo confederativo, como se sabe, já era conhecido historicamente e foi adotado nos artigos da confederação que precederam e viabilizaram a luta pela independência das 13 colônias da América do Norte. O que marca a singularidade do novo sistema é exatamente a diferença entre as confederações anteriores e a alternativa criada pelos convencionais da Filadélfia.

Invoco, muito sumariamente, o modelo americano tão-somente para lembrar o quanto se distingue do nosso caso. Os EUA nasceram federalistas, e o Brasil era, até a Proclamação da República, um Estado unitário. Assim o foi durante todo o período do Império.

Nos EUA, diferentemente, os artigos da Confederação precedem a independência e a própria Constituição, que data de 1787. Entre outras razões, porque o documento que o materializou, a Constituição, foi aberto à adesão das antigas colônias e não entrou em vigor senão quando a maioria dos Estados a ratificou. A Federação brasileira, frise-se, é fruto da árvore republicana.

Foi constituída pela União indissolúvel e perpétua de suas antigas províncias. Antes da proclamação da República, como sabemos, não havia Estados, mas províncias. Precede, portanto, a própria Constituição, pois sua origem é o decreto nº 1, de 15/11/1889, que institucionalizou o novo regime. Não houve, portanto, consulta, discussão, negociação nem sequer adesão. Foi declarada, imposta e considerada cláusula pétrea.

Todavia a questão central do poder não é a sua divisão, mas a sua quantidade. Logo, que qualidade de poder se concede à União? E que parcela dela deve ser atribuída aos Estados? Em que medida se deve separar, de forma insofismável, a soberania nacional da autonomia estadual? Em 1787 -volto aos EUA-, dividir as funções de governo segundo sua especialização era questão resolvida havia 40 anos, e institucionalizar a federação levou algum tempo.

Entre nós, a amplitude da autonomia e das responsabilidades estaduais foi consagrada na Constituição de 1891, em versão não verificada nos textos constitucionais posteriores. O princípio geral estava fixado no art. 65, notadamente no seu item 2º, segundo o qual era assegurado, aos Estados, "todo e qualquer poder e direito que não lhe foi negado por cláusula expressa ou implicitamente contida na Constituição". Ou seja, era-lhe permitido tudo o que não lhe fosse expressamente proibido.Outra de suas prescrições assecuratórias dava-lhe ampla autonomia. No art. 5º, lê-se: "Incumbe a cada Estado prover, às expensas próprias, as necessidades do seu governo e administração. A União, porém, prestará socorro ao Estado que, em caso de calamidade pública, o solicitar". Era auxílio tão excepcional a ponto de ser incluído entre as atribuições do Congresso Nacional.

Trata-se, sem dúvida, de uma autonomia "à outrance", num país que, depois de três séculos de dependência de uma metrópole européia e de 65 anos de unitarismo centralizado, viu-se sob um regime de partilha de poderes que, testado, mostrou distorções, inconveniências e desajustes só muito tardiamente corrigidos. A despeito da inexperiência nacional na organização federativa do Estado, a República sob a qual viveu a nação de 1891 a 1930 foi, assim penso, até hoje a fase mais duradoura e de maior continuidade política, institucional e econômica do Brasil republicano.

O que marcou, então, as diferenças entre o federalismo americano e a sobrevivência da federação republicana entre nós? É preciso lembrar, desde logo, que as 13 colônias que se confederaram constituíam uma pequena nesga na costa ocidental da América do Norte, ao passo que o Brasil do fim do século 19 era um país de dimensões continentais e, desde o Império, um conjunto assimétrico de províncias, quer do ponto de vista territorial, quer economicamente.

No primeiro caso, o modelo de divisão espacial dos poderes foi sendo sedimentado ao longo de mais de um século; e é bom não esquecer que, quando os interesses regionais se confrontaram com os da União, o país viveu a mais sangrenta das guerras civis do continente: a Guerra da Secessão. Hoje, nos EUA, a distância que separa o Estado de maior renda do de menor renda é apenas quatro vezes, enquanto no Brasil essa diferença é de 14,7 vezes.

Equilibrar poderes, distribuir competências e responsabilidades rigorosamente simétricas em uma nação tão profundamente assimétrica, mais do que um desafio de engenharia política, ainda é uma incógnita indecifrada, que, como a esfinge, ameaça-nos devorar.


O mandato pertence ao partido

Jornal do Brasil (RJ) - 30/3/2007

Pode-se bem entender que a intenção dos formuladores de nosso sistema proporcional foi a de conferir aos partidos a titularidade dos mandatos eletivos.

Inicialmente, pelo nosso primeiro Código Eleitoral, o Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, votava-se em lista, em um número de candidatos que não excedesse o de elegendos mais um. Falava-se em dois momentos de apuração, sendo eleitos, no que se denominava “1º turno”, os candidatos que tivessem obtido o quociente eleitoral e, na ordem de votação obtida, tantos candidatos registrados sob a mesma legenda quantos o quociente eleitoral partidário indicasse. Estariam eleitos, em “2º turno”, os outros candidatos mais votados, até que se preenchessem os lugares que não tivessem sido preenchidos no “1º turno”.

O modelo, formulado por Assis Brasil, o mais importante membro da comissão designada por Getúlio Vargas para estudar e sugerir a reforma da legislação eleitoral, recebeu a crítica de ser uma fórmula mista, de transação, de acomodação de sistemas opostos, proporcional no 1º turno e majoritária no 2º. A censura foi enfrentada por Assis, para quem a apuração no 2º turno deveria “constituir um prêmio ao ganho de causa da facção mais poderosa”.

Com a Constituição de 1934 e sua determinação de que seriam eleitos os deputados “mediante sistema proporcional”, teve-se que alterar o Código, com a edição da Lei nº 48, de 4 de maio de 1935. Seu art. 89 dispôs: “Far-se-á a votação em uma cédula só, contendo apenas um nome ou legenda e qualquer dos nomes da lista registrada sob a mesma”.

A lista permaneceu, assim, intuída. Equivocam-se, então, aqueles que julgam que nosso sistema proporcional, com a originalidade da “escolha uninominal, pelo eleitor, a partir da lista oferecida pelos partidos”, despreze essa lista.

E o fato de que um número ínfimo de deputados e vereadores se eleja alcançando, com seus votos nominais, o quociente eleitoral, e dependendo, assim, dos votos dados aos companheiros de legenda, reforça o entendimento de que pertençam aos partidos os mandatos.

Além disso, a filiação partidária é condição de elegibilidade (art. 14, § 3º, da Constituição Federal) e só podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos (art. 87 do Código Eleitoral). A troca de partidos contribui para diminuir o grau de representatividade do regime democrático brasileiro, pois o voto dado a um partido é transferido a uma outra legenda, o que implica desrespeito à vontade do eleitor e alteração da representação política saída das urnas.

Disso decorre a falta de identidade partidária, pois o eleitor não vincula o candidato ao partido político e, por conseguinte, ao programa e aos estatutos partidários. Com isso, passa a votar no indivíduo, muitas vezes em função de critérios pessoais, em descompasso com o próprio sistema que – como se viu – necessariamente relaciona o voto ao partido.

A elevada migração partidária leva, ainda, ao descrédito do Legislativo. Com efeito, o cidadão atribui essa prática ao predomínio de interesses particulares dos parlamentares, ao governismo e ao comportamento espúrio, pois muitas vezes a imprensa noticia “vantagens” obtidas com as seguidas trocas de partido.

Com a alteração constitucional que estou submetendo a deliberação do Congresso Nacional, e sua conseqüente extensão na legislação ordinária, encerra-se o processo das mudanças partidárias pelos parlamentares. Na 52ª Legislatura (fev/2003 a jan/2007), apenas para dar um exemplo, trocaram de legenda 38% dos representantes da Câmara dos Deputados.

E, afinal, avança-se no sentido da consolidação dos partidos que, no Brasil, apresentam uma deprimente trajetória. Analistas como Bolivar Lamounier chegam a deplorar seja o Brasil, no nível econômico e social em que se situa, caso único de “subdesenvolvimento partidário”.


Nosso eterno amigo, o livro

Jornal do Brasil (RJ) - 21/06/2007

O semiólogo italiano Umberto Eco afirmou certa feita que o livro, "depois de ser inventado, vai-nos acompanhar por muito tempo". Penso, entretanto, que essa companhia será para sempre, pois, assim como a televisão não fez desaparecer o rádio, nem o cinema impediu que o teatro continuasse a ser arte tão antiga quanto admirada, a cultura digital não eliminará o livro.

À medida que se prestigia, nas últimas décadas, a educação - algo fundamental para elevar a condição de vida do nosso povo e promover o correto e justo processo de desenvolvimento do país - abre-se espaço, ao lado da cultura digital, para a continuada difusão da cultura letrada e para o aparecimento de pensadores, filósofos, cientistas e poetas, indispensáveis para que brotem novos leitores e escritores.

Conquanto ainda haja um percentual expressivo de analfabetos em nosso país, cabe registrar que, nas últimas décadas, o hábito da leitura tem crescido entre nós. Conforme revelou recente pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, o brasileiro lê, em média, 1,8 livro por ano - obviamente um número modesto se compararmos com a França, onde o índice é de 7, ou a Colômbia, país vizinho ao nosso, com 2,4 livros lidos por ano.

Para isso, muito têm ensejado iniciativas governamentais e de instituições privadas, visando a estimular a leitura e a reflexão a respeito de tudo que é humano. Como ministro da Educação, em meados da década de 80, empreendi, por intermédio da criação do Programa Nacional do Livro Didático (Prodeli), ações para aumentar a oferta de livros aos estudantes da rede pública - da União, Estados e municípios - por entender que essa seria uma forma de não somente ajudar o aluno a educar-se, mas também fazer desabrochar novas vocações e concorrer para o aggiornamento cultural e intelectual da sociedade brasileira. Infelizmente, observe-se, ainda é pequena a quantidade de bibliotecas, sobretudo nas regiões mais pobres do país.

A publicação de livros está ligada também ao fortalecimento da democracia, especialmente a liberdade de expressão. Em tempos não remotos, livros, jornais e enciclopédias eram assunto de polícia e da censura, que ainda sobrevive em vários países e é o pior dos instrumentos que a liberdade de pensamento e manifestação tem de vencer.

Recorde-se a famosa Carta histórica e política endereçada a um magistrado, de Denis Diderot, talvez o principal responsável pela primeira enciclopédia do mundo. O magistrado a quem Diderot se referia era Antoine Gabriel de Sartine, na época, ajudante-geral de Polícia da Cidade de Paris, cargo que exercia cumulativamente com o de diretor de imprensa, encarregado da censura dos jornais.

O livro, ademais, é de fundamental importância para a "vertebração" de nossa identidade. Esta, aliás, é antes um desejo do que uma necessidade, pois não podemos deixar de reconhecer que ela é moldada pelo perpassar do tempo. O Brasil, nação ainda jovem, já ostenta, contudo, forte "instinto de nacionalidade", como definiu Machado de Assis, ao observar há mais de 100 anos: "Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço".

Ao Brasil se credita, embora persistam ignominiosos índices de desigualdade social e econômica, um notável melting pot, miscigenação que poucos países possuem, mormente se consideramos a nossa extensão territorial e a grande dimensão demográfica. A busca da identidade, por se tratar de um processo que se tece ao longo do tempo, é endógena e não há tampouco lei ou critério estabelecido que a conceitue "nessa estranha máquina que se chama mundo", como diria Camões.

Sabemos igualmente que o livro, instrumento ancilar do desenvolvimento cultural de um país, ajuda a preservar a memória nacional, a suscitar idéias para a solução de nossos problemas e a direcionar o itinerário da nacionalidade com relação ao futuro. Como disse o poeta John Milton, um dos maiores vultos da literatura universal, "os livros são tão vivos quanto os seres humanos". E mais: "Vetada a circulação de um livro... o que morre não é simplesmente a expressão de idéias individuais... mas todo o valor atemporal e perene, da razão".


Veto e insegurança jurídica

Jornal do Brasil - 12/11/2007

No conjunto de reformas institucionais que o país reclama, deve-se inserir, além das mudanças em nosso modelo político (leia-se sistema partidário e eleitoral), o revigoramento da Federação, hoje fragilizada pela enorme concentração de poderes no governo federal.

Não menos deve ser o empenho em cogitar também do aperfeiçoamento dos Poderes da República -Legislativo, Executivo e Judiciário, que, reconheça-se, operou passo importante, em articulação com o Congresso Nacional, viabilizando a aprovação da emenda constitucional nº 45 e de leis que a regulamentam.

Sem desejar analisar a questão do Executivo federal, agora caracterizado por um pletórico número de ministérios e órgãos colegiados gerando conflitos e significativa dispersão de recursos, o fato é que o Executivo, tanto quanto o Legislativo, ainda precisa de modernização em seus processos decisórios.

Relativamente ao Congresso, urge superar a dificuldade em deliberar quanto à ação fiscalizadora e à agenda legislativa, por sinal as duas mais importantes tarefas da instituição.

A explicação para tal fenômeno consiste indubitavelmente na grande quantidade de medidas provisórias editadas pelo Executivo sem observar os pré-requisitos de urgência e relevância, a que se acrescenta o trancamento da pauta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal estabelecido por emenda constitucional, obstando a aprovação de matérias de iniciativa do próprio Legislativo.

Acresça-se a isso a circunstância de que emenda constitucional prescreveu semelhante tratamento para os vetos do Executivo, conquanto sejam apreciados em sessão conjunta do Congresso Nacional, e não isoladamente em cada uma das Casas, geram, de igual forma, o trancamento da ordem do dia da instituição.

Desde a Constituição do império às que lhe sucederam durante o período republicano, todas, com pequenas diferenças, conferiram ao imperador ou aos presidentes da República o poder de vetar total ou parcialmente projetos de lei aprovados pelo Legislativo. Importa, contudo, salientar que a vigência -ou não- da lei vetada ou parte dela somente se completa com a manifestação do Legislativo, com a rejeição ou aprovação do veto.

É o que dispõe o parágrafo 6º do artigo 66, com redação dada por emenda de 2002: "Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no parágrafo 4º [30 dias a contar do seu recebimento], o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas todas as demais proposições, até sua votação final". Tal, todavia, não vem ocorrendo.

Observa o professor José Afonso da Silva em "Processo Constitucional de Formação das Leis": "O principal e imediato efeito decorrente do exercício do poder de veto é o de suspender a transformação do projeto de lei ou parte dele em norma jurídica acabada e definitiva, dando como conseqüência a exigência de uma nova consideração do Legislativo sobre a matéria". E acrescenta: "Daí surge um incidente no processo de elaboração da lei, turbando-lhe o "iter" normal. Incidente de natureza procedimental, que pode ter mero caráter suspensivo ou se tornar definitivo, truncando a possibilidade de virem os interesses, relativos à matéria indicada, a se tornarem objetos de proteção jurídica".

Para ter uma dimensão aproximada do "déficit deliberativo" com relação aos vetos apostos pelo Executivo, há, pendente da análise do Congresso, 140 projetos de lei vetados, perfazendo 881 partes sobre as quais incidiu a negação do Poder Executivo.

Se à cifra aditarmos 18 projetos de lei com 178 dispositivos vetados, nem sequer lidos, conforme exige o regimento comum do Congresso, o total de proposições que tiveram negada a aprovação pelo Executivo atinge número talvez sem precedente na história do Parlamento: 158 projetos de lei e 1.059 partes a serem apreciados.

Vale explicitar que remanescem sem análise uma proposição do período Itamar Franco, 28 do octênio de Fernando Henrique Cardoso e 129 do atual presidente da República. É muito provável que, ao encerrar este mês, o número de projetos vetados -ou parte deles- seja bem mais elevado.

A óbvia conclusão que se extrai do exposto é que tudo isso contribui para, ao lado da reconhecida incapacidade de nossas instituições darem resposta às demandas da sociedade, aumentar a incerteza e a insegurança jurídicas de que tanto padece o país.

Como preconizou Bobbio: "Nos últimos anos, os termos-chave da teoria do governo mudaram outra vez: não se fala (...) tampouco de governo máximo e governo mínimo, mas de governabilidade e ingovernabilidade".


Instituições duradouras

Folha de S. Paulo (SP) - 05/12/2007

A reforma eleitoral é tema que raramente deixou de figurar na agenda política do país. Não me refiro só à agenda atual, mas também às dos séculos 20 e 19. A diferença reside na circunstância de que a expressão reforma política, hoje tão cediça, no século 19, com mais propriedade, se designava reforma eleitoral.

Este é, por sinal, o título do livro publicado em 1875 pelo conselheiro Antonio Pereira Pinto, à época diretor da Secretaria da Câmara dos Deputados. Nele estão as propostas que, entre os anos de 1827 e 1874, tramitaram no velho Parlamento do Império com o objetivo de aprimorar a legislação eleitoral do país.

Por ele se constata, por exemplo, que o projeto do deputado Ferreira França, em 1835, estabelecendo a eleição direta, só adotada pela Lei Saraiva em 1881, nem sequer foi considerado objeto de deliberação quando submetido ao turno regimental de apreciação preliminar de discussão.

Hoje, é vezo generalizado referirmo-nos à reforma política tomando esse termo como sinônimo de reforma eleitoral e das questões adjetivas dela decorrentes. Se considerarmos as hipóteses de trabalho sobre as quais o Congresso tomará suas decisões, caso o faça na atual legislatura, como seria desejável, é possível concluir que ela se circunscreverá a alguns poucos temas que mais despertam o interesse da opinião pública.

Nas propostas aprovadas pelo Senado Federal e agora em tramitação na Câmara dos Deputados -por sinal, há tempos em condições de serem submetidas às deliberações do plenário- , os temas relevantes cingem-se a três mudanças: 1) manutenção do sistema proporcional para eleição dos deputados, matéria constitucional (art. 45), adotando-se a modalidade do voto em listas fechadas e bloqueadas; 2) fidelidade partidária; e 3) adoção do financiamento público de campanhas.

O financiamento público não é conseqüência do sistema de listas fechadas e bloqueadas. Ao contrário, o voto em lista é requisito para viabilizar o financiamento público, impraticável com o modelo em vigor de listas abertas. Como repartir R$ 880 milhões de recursos públicos nas eleições municipais entre 340 mil candidatos a vereador e mais de 15 mil candidatos a prefeito, número do pleito de 2004?

A proposta do sistema de listas visa, exatamente, a tornar possível a distribuição do financiamento. Não entre os candidatos, o que seria inviável, mas entre os partidos políticos, aos quais caberia a condução das campanhas eleitorais.

Embora entenda que seja necessária a mudança do sistema eleitoral brasileiro, para ensejar o fortalecimento dos partidos políticos, ele está razoavelmente atualizado e testado.

Com exceção do Código Eleitoral, que é da década de 60 do século passado, mas sistematicamente atualizado, todo o restante do ordenamento legal foi aprovado na década de 90. De forma suplementar, mais de 20 mil resoluções do TSE regulam aspectos normativos da legislação vigente e esclarecem dúvidas suscitadas por candidatos, partidos e parlamentares.

Esse sistema, portanto, não exige modificações maiores do modelo em vigor, salvo as imprescindíveis ao seu aperfeiçoamento.

Resta considerar, por fim, que as alterações projetadas podem contribuir para aprimorar este ou aquele aspecto das chamadas reformas institucionais. Mas, seguramente, estarão ainda longe de solucionar o contencioso que constitui uma ampla, necessária e recomendável reforma, nos termos em que a concebo.

As reformas institucionais, pelas quais me empenho ao longo das três últimas décadas, devem ultrapassar o universo das alterações das leis eleitorais e partidárias; aprimorar o sistema de governo, removendo inclusive as áreas de atrito entre Poderes; promover o fortalecimento da Federação, indispensável à efetiva descentralização do exercício do governo num país de grande extensão territorial e de enorme expressão demográfica; e o revigoramento dos valores republicanos, ensejando, como verberou, há cem anos, Joaquim Murtinho, "a republicanização da República".

Esse parece constituir, a meu juízo, o nosso maior desafio -o de vertebrar duradouras instituições. As reformas, frise-se, são impostergáveis para que, de uma democracia procedimental, passemos para uma democracia decisional, capaz de assegurar regras claras, indispensáveis ao jogo político compatível com a estabilidade institucional e a segurança jurídica que a nação reclama.